Escrever é sempre libertador.
Seja num caderno de papel, no computador ou tablet,
enfim, independente da maneira como escrevemos, soltar a imaginação em escrita
transporta as pessoas para outros mundos... E assim sempre será, mesmo que o
papel um dia ceda lugar totalmente ao digital. Podemos criar estórias e também
desabafar as nossas próprias experiências, boas ou ruins. Descrever festas de
aniversário, cenas da primeira paixão, o Natal com aquele parente que não via
há tanto tempo! Existem pessoas que usam o velho e bom diário como um amigo
contra a tristeza e a Depressão. Soltam sua ira em tinta ou grafite naquele
amigo sem boca, ouvidos e olhos. Confessam seus medos. Explodem sua raiva de
forma tão voraz que aquele que o visse de longe pensaria ser um trabalho de
psicografia (sim, quem tem raiva escreve depressa). Heroínas da vida real foram
para as telas e são até hoje consideradas perturbadoras e fascinantes, ao mesmo
tempo. Irresistíveis pessoas reais.
Virginia Woolf, a famosa escritora inglesa,
usou a escrita como terapia, escondida na casa de seu marido Leonard por ordens
médicas, e passou bem durante algum tempo (pena que sua vida não tenha tido um
desfecho feliz). Ouvindo vozes obscuras ou não ela seguia seus dias escrevendo
o que hoje temos como exemplo de sua genialidade: seu trabalho literário. AS
HORAS (THE HOURS), filme de 2002 dirigido por Stephen Daldry, guarda um exemplo
do que pode ser chamado de a escrita como plano de observação e descoberta de
si próprio. Nicole Kidman (arrebatando prêmios como o BAFTA e o Oscar de melhor
atriz) deu vida a esta mulher complexa e fascinante, que tenta resgatar a si
mesma, salvar-se. Vai para o subúrbio, longe da agitada Londres por uma melhor
qualidade de vida. Não que Virginia tenha começado a escrever nesta época. Os
apaixonados pela Literatura lembrarão que ela começou com contos no início do
século XX. Mas naquele momento peculiar a escrita era o reflexo de quem Woolf
procurava ser. Um espelho misturado no sofrimento da loucura e na autopunição
da personagem, porém com uma esperança que renascia em nanquim e papel. Tentando
relaxar em sua cadeira, as tardes com xícaras de chá e biscoitos. Os sobrinhos,
ainda crianças, eram os filhos de sua irmã Vanessa Bell. Eles riam dela bem
baixinho, quando flagravam a tia em conversa consigo mesma ou velando um passarinho
morto. A espontaneidade assustadora da criança. Baseado na novela de Michael Cunningham,
AS HORAS é o tipo de filme profundo em sentimento, daquelas películas que nos
envolvem em longas reflexões sobre a vida e a morte.
Nicole Kidman é Virginia Woolf em AS HORAS, 2002. |
Existem ainda os que escrevem
sobre o amor ou para o seu amor. Muitos roteiros de filmes foram lindamente
desenvolvidos com o tema “cartas”, ainda retratando fatos reais sobre obras de
artistas, sejam eles compositores, dramaturgos ou escritores.
Algumas heroínas trágicas do
Cinema decidiram declarar seu amor não correspondido e enviar pelos correios,
ao invés de guardar em um diário dentro da gaveta. Se a paixão não desse certo,
ninguém poderia dizer que ao menos elas não tentaram! Diários, cartas e
bilhetes tanto podem libertar o espírito sonhador quanto aprisionar alguém que
não tem alternativa a não ser colocar no papel o que sente. Em A HISTÓRIA DE
ADELE H(L’HISTOIRE D’ADELE H), Isabelle Adjani vive a personagem título,
dirigida por Truffaut em 1975. Adele é filha do famoso escritor Victor Hugo, um
gênio de sua época, que vivia em exílio por conta de seus ideais políticos. Ela
usa as palavras como persuasão tanto para o objeto de sua obsessão amorosa, o
Tenente Albert Pinson(vivido por Bruce Robinson) quanto para seus pais, quando
escrevia a eles mentindo toda uma situação. Adele vivia em um mundo a parte,
entre resmas de papel e tinta. Inventava para a família uma fantasia da qual só
ela fazia parte: a de que Pinson a amava muito e se casaria com ela muito em
breve.
Isabelle Adjani como Adele Hugo, 1975. |
Dentro de sua cabeça a negação da
realidade era tamanha que por várias vezes blindava totalmente o desprezo e a
frieza do rapaz. Ele jamais se casaria com ela, no entanto, Adele inventou a
cerimônia através de palavras escritas e mandou pelos correios. Pedia agora
para chamá-la de Madame Pinson, nome pelo qual era conhecida em Barbados,
quando a esquizofrenia já havia deteriorado por demais sua mente. Durante
muitos anos ela dedicou-se a seus jornais: diários em que só ela entendia o
conteúdo. Parou de escrevê-los quando os traços da doença mental já haviam se
tornado grave peso em seu presente e futuro.
Seguiu Pinson por várias partes do mundo, de 1855 até 1872, começando
pela França. Passou três anos em Halifax, Canadá, sob um pseudônimo, disfarce que só ia embora quando se trancava no quarto dos Saunders. Lá, ela ficava absorta no seu planeta Pinson imaginário. Só os papéis conheciam essa Adele. Enquanto isso sua doença avançava e passou a andar pelas ruas como
mendiga, rasgada e desnorteada. No caso dela, pode-se dizer que sua escrita
a libertou e a aprisionou. Liberta da realidade que ela não queria aceitar. Presa
por conta do sonho jamais realizado. Quando mandada novamente ao convívio dos
Hugo estava aos cuidados de Madame Baa, a mulher que cuidou dela em Barbados,
época em que sua loucura já despertava risos dos habitantes locais. Passou o
resto de sua vida em uma instituição mental, perdida entre suas pinturas e escritas...
Ou liberta através de toda aquela arte que a rodeava. Virginia Woolf e Adele Hugo sofreram um processo de intensa perturbação mental, cada uma dentro de sua época e história. Foram vidas permeadas pela inconstância e desequilíbrio. Mas também por uma incrível capacidade de sentir...