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sábado, 27 de agosto de 2011

A DAMA DO LAGO: o suspense policial e suas "bad girls"


Muitas surpresas são encontradas ao final deste suspense, dirigido e estrelado por Robert Montgomery. Até o assassino ser finalmente descoberto, o filme parece de fácil absorção, com vilões suspeitos até o último fio de cabelo. Ledo engano. Ele mesmo, Montgomery, já como o Detetive Particular Philip Marlowe faz a introdução da história, revelando, sentado numa cadeira, que muitos espectadores poderiam descobrir o fascínora desde o início. Outros, não, alertando ao público não tentar parecer tão esperto pensando que desvendaram o quebra-cabeça.
E sua gabolice não foi em vão. Durante a brilhante trama de mistério, como todo suspense policial deve ter, com figuras de duas caras e misteriosas, há quem pense que a culpada seja a principal suspeita do início, Adrienne Fromsett(Audrey Totter), assistente do dono das publicações Kingsby. Mulher ambiciosa e manipuladora, ela convence Phillip a investigar o desaparecimento de Crystal, a ex-esposa do dono da editora, Derace Kingsby (Leon Ames), seu alvo milionário para entrar na alta sociedade. Típico caso da funcionária que dá o sangue pela empresa, consegue passar pelos lençóis do patrão, até conseguir ser sua protegida e ganhar um império.
Este tipo de personagem é um dos ingredientes básicos de uma história policial, seja ela Noir ou não. Principalmente em relação às mulheres: a equipe criadora tenta fazer com que o público deste gênero entenda que a mocinha não é perfeita. Teve seus deslizes de caráter, mas ao final, se redime nos braços de um atraente Detetive. Como o Detetive nestas histórias é sempre o símbolo da verdade, o herói, conclui-se que a mocinha saiu do fundo do poço e conseguiu se salvar, através da verdade, incluindo o amor.
Phillip havia entrado no escritório da Kingsby Publications inicialmente para tentar publicar o conto de crime que escrevera, já que sua carreira de Detetive Particular não lhe dava mais dinheiro algum. Adrienne, astuta e sedutora, o coloca então numa teia perigosa de estranhos assassinatos, descobertos através da morte do suposto amante da moça, Chris Lavery (Dick Simmons).Como se já não bastasse o excelente roteiro de Steve Fischer, baseado na novela de Raymond Chandler, existe um detalhe em peculiar que chama atenção: a maneira escolhida para filmar A DAMA DO LAGO. No início, há de se pensar que as tomadas diretas na atriz Audrey Totter fizessem parte da cena de abertura do filme. Porém, o diretor continua da mesma forma.
A cada ator que entra em cena, a câmera permanece nele e quase nunca vemos Robert Montgomery, o que enfatiza ainda mais o clima de suspense e culpa em cima de determinado personagem, além de levar ao espectador sentimento maior de agonia e ansiedade. O público fica à par de todas as reações dos personagens, os gestos faciais e corporais os colocam em destaque especial, denotando a culpa pelo crime em cada um deles. Imagine uma cena em que duas pessoas contracenam, mas a câmera só é trabalhada em um deles (sempre no suspeito). Diferente, não? Uma tentativa muito boa, na verdade, da idéia do diretor de contar a história através do seu próprio ponto de vista. A DAMA DO LAGO foi um filme tão bem pensado que até os policiais, incluindo o Chefe de Polícia, são suspeitos.
A atriz que é parte vilã, parte mocinha, Audrey Totter, fez de sua personagem uma caricatura graças às expressões faciais exageradamente estudadas. Sua indiferença à desconfiança permanente de Phillip e de sua petulância é mostrada à audiência com caretas por várias vezes horrendas. Se não fosse por isso, talvez tivesse feito um trabalho impecável, já que o resto de sua Adrienne foi construída para intrigar e consegue até arrancar raiva e nojo de quem a assiste.
Há uma atuação muito decente de Leon Ames, presente como o endinheirado Derace Kingsby. Durante a história, ele passa de possível suspeito a uma figura paternal e digna. Um homem que caiu na armadilha de uma moça gananciosa, mas longe de ser um jogador ou vilão. Já Jayne Meadows está assustadora como Mildred Havelend, quando fala com voz soprosa ao apontar uma arma para Phillip, num quarto de hotel barato.
A atriz convidada a viver a mulher desaparecida de Kingsby, Crystal é uma pessoa fictícia. Seu nome é Ellay Mort, uma ligação ao francês Elle et Mort(ela é morta ou She is dead). A DAMA DO LAGO foi o último filme de Robert Montgomery para a MGM, que estava sob contrato do estúdio desde 1929. O filme foi lançado em 1947 junto com outra direção do artista: Ride the Pink Horse, também um suspense, desta vez ambientado no México, com roteiro do grande Ben Hecht. No ano seguinte, a Lux Radio Theater lançou uma versão de 60 min de A DAMA DO LAGO para o rádio, com os mesmos protagonistas. Montgomery dirigiu 6 filmes ao todo, começando em 1945 por They Were Expendable, onde não foi creditado por este trabalho, mas atuou como protagonista ao lado de John Wayne e Donna Reed.

Hard for the money: as Bad Girls nos suspenses policiais

Detetive Particular em filmes policiais de suspense são o sinônimo da honestidade, como já visto anteriormente. Eles são a salvação de uma certa parte ou clã de alta sociedade perdida, que se envolve com gângsters e bandidos de uma classe inferior, terminando estes ricos corruptos numa verdadeira arapuca da qual ninguém os consegue tirar. Como outro exemplo, em LAURA(1944), dirigido por Otto Premminger, temos a personagem-título como a protegée de Waldo Lydecker(Clifton Webb). Ele consegue um cargo para ela, lançando sua carreira de publicitária e Laura consegue prosperar, como sua...amante. Mais tarde, no mesmo filme, o jovem e belo Shelby Carpenter, vivido por Vincent Price na sua fase de galã, tem sua história minimamente contada através de um romance com a muito mais velha Ann Treadwell(a incrível Judith Anderson). Ela o banca descaradamente, de fio a pavio. O mesmo Shelby conhece Laura quando esta já é bem-sucedida e as cartas mudam rapidamente. Agora quem “financia” Shelby é Laura e ele consegue matar dois coelhos com um só tiro: ter uma mulher poderosa em sua vida, que além de tudo é linda como ele. Como a fruta nunca cai longe da árvore, a alegria do super malandro Shelby dura pouco quando a mocinha em questão se apaixona por quem? Pelo belo, robusto e honesto Detetive Particular Mark McPherson(Dana Andrews).
Laura, que já fora mulher de vários homens, incluindo o pintor de seu quadro, agora tem uma outra visão da vida, através do amor verdadeiro e sem interesses materiais. Obra da Liga da Decência da época? Parece que sim, já que nos anos 40 a quantidade de filmes onde o quarto do casal é mostrado com duas camas é inacreditável. Então, a mocinha não poderia ser uma bad girl a vida inteira.
Uma certa verdade humana é encontrada em A DAMA DO LAGO, quando a personagem Adrienne diz ao Detetive Phillip, após ser chutada pelo marido: “Ficar com você e voltar a ser pobre? Já passei por muita coisa e não pretendo repetir. Haverão outros Kingsbys e eu acharei o meu novamente”. Essa é a verdadeira bad girl, a mulher estilo trash em sua melhor forma, por quem o Detetive se apaixona, mesmo dizendo a conhecer muito bem. Não que LAURA  tenha deixado de mostrá-la. Acredito até que em cada suspense policial, cada garota tem sua caraterística principal, mas a base é uma só(parodiando a música de Tom Jobim): ou seja, ela é corrupta e volúvel, mas tem um lado bom adormecido lá no fundo, que só o Detetive Particular é capaz de trazer de volta.

A pessoa por trás das câmeras: Irene

Responsável pelos figurinos desta produção, a lendária Irene trabalhou em 12 filmes no ano de 1947. A artista esteve presente nas criações de personagens de Judy Garland, como O PIRATA, no ano seguinte, QUANDO AS NUVENS PASSAM(1946) , MEET ME IN SAINT LOUIS(1944), dentre outros. São marcantes seus trabalhos nos jovens anos de Elizabeth Taylor, assinando os figurinos de NATIONAL VELVET à saga LASSIE. Dentre seus inúmeros grandes trabalhos como designer destaca-se também o musical KISMET, de 1944. Irene também desenhou as roupas de Ingrid Bergman em sua estréia hollywoodiana, com INTERMEZZO(1939). E as estrelas que foram vestidas por ela não param por aí. Irene trabalhou para Hedy Lammar, Constance Bennet, Carole Lombard, Lana Turner e toda uma constelação dos anos de ouro da Metro. Com mais de 100 títulos no currículo de Designer, Irene Lentz nasceu em Montana, no ano de 1900, falecendo antes de completar os 62 anos, em Los Angeles, 1961. Em 1936 casou-se com Eliot Gibbons, irmão do gênio da direção de arte cinematográfica Cedric Gibbons. Sua morte foi triste e bizarra: se hospedou num hotel em Los Angeles e tentou o suicídio cortando os pulsos. Não conseguindo, resolveu então pular do 14º andar do edifício, encerrando desta forma uma vida de sucessos imortalizados nas telas. 

Obs: Clique nas fotos para vê-las em tamanho maior!

6 comentários:

Calma disse...

"A dama do lago" até parece um filme interessante, mas eu não gostei de "À beira do abismo", então fico com receio de ver outro filme baseado na obra do Raymond Chandler e me decepcionar de novo.
Mas "Laura" é ótimo!!

Darci Fonseca disse...

Oi, Dani. Eta filme difícil esse "A Dama do Lago", com a inovação da história narrada sob o ponto-de-vista do nunca visto Montgomery. Muitos consideram uma obra-prima. Sei não...
Ana, também acho que "À Beira do Abismo" é supervalorizado. Se o próprio diretor não entendeu o filme...
Darci Fonseca - CINEWESTERNMANIA

ANTONIO NAHUD disse...

Texto muito bom, Dabi. Acho A DAMA DO LAGO um suspense incrível, super original... A Totter realmente não está muito bem, mas creio que uma vilã caricata funcione neste tipo de gênero... Gosto muito da literatura de Chandler e o Montgomery soube traduzi-la muito bem.

O Falcão Maltês

Unknown disse...

Olá,
Ana,nunca vi À Beira do Abismo. É fácil de achar? Darci,Nossa, essa do diretor não ter entendido o filme é forte, hein! Fiquei ainda mais curiosa para vê-lo hehe!
Antonio, que bom que gostou! Não, acho o gênero muito sério para caricaturas. na verdade, na minha opinião, só funcionam em comédias. Mesmo assim é perigoso, pois a caricatura pode corromper a comédia e deixá-la num nível muito baixo. Ela poderia ter explorado uma carga dramática bem mais profunda neste filme. É um papel muito bom para ser desperdiçado assim. O filme é realmente muito interessante. No início fiquei nervosa com os planos de câmera, mas depois me acostumei. É uma obra-prima.
Um abraço
Dani

Faroeste disse...

À Beira do Abismo é, de fato, supervalorizado. Não vi A Dama do Lago, mas gosto de Laura. Mesmo porque sou fã de Preminger e acho sua obra muito marcante. O Rio Das Almas Perdidas é um outro bom exemplo deste diretor.
jurandir_lima@bol.com.br

Unknown disse...

Jurandir,
veja A DAMA DO LAGO e tire suas conclusões, ok? Vale a pena. Também gosto muito de Preminger. Além de grande diretor, ele realmente gostava de Gene Tierney e a ajudou muito quando a mesma estava em situação terrível com suas confusões mentais.
Abraço,
Dani