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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dos Livros para Hollywood - Parte 2 traz...

MADAME BOVARY

No primeiro post "Dos Livros para Hollywood" em janeiro deste ano(reveja -o aqui), escrevi um curto texto sobre MADAME BOVARY, adaptação do clássico de Gustave Flaubert, lançado nas telas em 1949(e no ano seguinte na Suécia), com direção de Vincente Minnelli. Mas sei que este filme merecia um texto só para ele, tamanha sua beleza e grandiosidade. Van Heflin como o sofrido e resignado Charles, brilha com o personagem e passa toda a tristeza de não ser aquilo que Emma desejava que ele fosse. Jennifer Jones é Emma Roualt, uma camponesa que encontra no doutor Charles sua fuga das enxadas e serviços na fazenda pobre de seu pai. Sua fascinante construção de personagem nos leva à Madame Bovary fiel de Flaubert: com sensualidade, extravagância, sentimentos de sonhos e ilusão que a levam à loucura de querer escapar daquele casamento - para ela tão medíocre. Mais uma vez Cedric Gibbons coloca suas mãos de mestre na direção de arte, tendo o luxo como sua marca registrada. Mesma marca de Walter Plunkett, que assina os figurinos das mulheres. MADAME BOVARY é emprenhado do cheiro da sofisticada música de Miklós Rózsa e a fotografia belíssima é de Robert Planck. Este time fascinante trouxe momentos únicos do filme como o famoso baile em Vaubyessard, com Emma rodeada de admiradores, vestida de branco.
Tudo neste filme é mágico e nos dá a sensação de que entramos em uma montanha-russa ou em um trem-fantasma, dadas as nuances de insanidade e canção de ninar. A loucura e a beleza. A aventura da vida e a realidade dela. Primeiramente, Minnelli planejava escalar Lana Turner para a personagem título, mas após refletir concluiu que Jennifer Jones era mais adequada para a platéia e que entenderia melhor a personagem. Greer Garson também figurou em sua lista.
James Mason narra o filme como o próprio autor, enquanto explica, no tribunal do júri, quem realmente foi a Sra Bovary. Gustave Flaubert foi a julgamento pelo livro e o filme também passou pelo crivo da censura. Todas as cenas de beijo tiveram que ser refilmadas por serem consideradas picantes demais.
Pôster
Capa e contra-capa do dvd: ainda não lançado no Brasil

O LIVRO - EDIÇÃO NACIONAL
O fato é que, após assistí-lo e ter me apaixonado por esta personagem tão dúbia, fiquei louca atrás do livro. Primeiro, encontrei a versão baratinha e boa da Martin Claret e comecei a ler. Mas ao visitar a feira do livro no meu bairro, me deparei com a versão da Abril Cultural, com capa dura vermelha e detalhes dourados. Não resisti. terminei de lê-lo com ele. Apesar de prezar muito pela obra de Minnelli, não há como não expôr aqui as muitas modificações feitas para o cinema. O roteiro adaptado ficou a cargo de Robert Ardrey. personagens os quais o caráter se tornou outro, situações cruciais na estória, que no roteiro de Ardrey foram apresentadas de maneira totalmente diferentes. Mas antes de iniciar esta análise, deve-se pontuar aqui um detalhe muito importante: é totalmente errado mudar nomes de personagens e lugares. Pra quê traduzí-los? Na edição brasileira a cidade de Ruen é Ruão. Charles é Carlos. Emma perdeu um "m" de seu nome original. Felicite é Felicidade(Oh, Deus!); Rodolphe é Rodolfo; Leon D'or é Leão de Ouro e outros absurdos. Ainda bem que não traduziram Yonville. Assim como também não passaram para o português personagens essenciais como L'heureux, Leon e Homais. Isso é salvo no filme, onde nomes de personagens e lugares não foram traduzidos para o Inglês.
Imagine se os nossos nomes fossem traduzidos? Se o Antonio, de O Falcão Maltês se transformasse em Anthony ou o Ricardo do Tertúlias virasse Richard? E se a Júnia de Vintage lêsse de repente, em algum lugar, algo como June ou Juno(como no filme)? Terrível...
Nome é identidade. Não pode ser recriado.


A RELAÇÃO LIVRO X FILME

A obra de Flaubert conta um pouco a história de Charles, que foi casado com Heloise. Quando conheceu Emma, já era viúvo. No cinema, tudo começa com o primeiro encontro de Charles e Emma. Felicite, a criada e ama, era confidente de Emma. Diferente da mulher retratada no filme, que condena a patroa todo o tempo. Foi com a ajuda de Felicite que Madame Bovary iniciou seus encontros com Rodolphe, alguns deles na própria casa de Charles, quando este se recolhia para dormir. A diferença no tratar e o julgamento é visto na mãe de Charles, que em vários momentos do livro, julga a esposa do filho e suas extravagâncias.
Leon vai estudar em Paris por sua própria decisão, não aguentando mais o romance sem futuro com Emma. Sua mãe não teve a menor parte nisto, como é mostrado erroneamente na tela.
Quando Rodolphe termina com Emma, ele escreve uma carta bem diferente da que é mostrada na produção de 1949. O personagem galante é meio distorcido no filme. Na verdade, ele é bem mais elegante e educado. Além de ter sido um bom amante, paciente a atencioso diante dos sonhos e frustrações da Sra Bovary.
Quando Emma lê a carta e tenta se atirar da janela, quem a puxa para dentro é Felicite e não Charles. A ama, sempre por dentro dos devaneios da patroa, a consola e a convence a descer para o jantar. Charles não fica sabendo do romance entre sua mulher e Rodolphe até bem depois da morte da esposa, quando seu corpo já está sepultado. Ele, sozinho e miserável, amargurado pela dor da perda, vai ao sótão(onde o "eu" de Emma morava) e finalmente encontra a carta, amassada e atirada sob o chão. É neste momento que ele descobre. No filme, pelo contrário, as discrepâncias estão em ele afirmar a ela que não leu a carta com a adicional de Emma, alucinada, pronunciando o nome do amante na presença do marido. Na obra original, Emma jamais pronunciou o nome "Rodolphe" enquanto esteve doente.

Emma e Rodolphe(Louis Jourdan)

Emma e Leon(Christopher Kent)
A TENTATIVA DE SUICÍDIO

Individada por L'heureux e sem ninguém para ajudar, Emma invade a farmácia de Homais, pensando em se matar e toma arsênico. Uma das intolerâncias do filme é como isso foi mostrado: quem lê o livro descobre que Emma sobe para seu quarto, se deita e começa a passar mal. Charles só descobre o infortúnio quando lê a carta escrita por ela. A esta altura, ela já está vomitando e gritando de dor, em cima da cama. Todos os médicos vêm ao encontro da morada do casal, para tentar salvá-la, diferente do filme.
Um outra curiosidade está na cena em que ela chega em casa e pega Berthe no colo pela última vez(o que não acontece, de fato). Seria muito mais dramático se tivessem seguido o livro, que traz Emma no leito de morte, pedindo para ver a filha. É quando a garota a recusa por se assustar com a aparência da mãe. A cena imaginada é forte e teria um ótimo apelo cênico, se tivesse sido utilizada.
Charles morre com o luto por Emma. É impressionante como o autor retratou o personagem em seu momento mais infeliz, como em nenhum outro trecho da estória. Ele estava sem saída.
Hoje percebo quanto valor cinematográfico teria se Minnelli não tivesse desprezado o destino da família, depois da morte de Madame Bovary. O futuro triste de Berthe, trabalhando numa tecelagem com o falecimento do pai, da avó e como agravante, a pobreza da tia.


A CIRURGIA

Mas o maior absurdo, este, inesquecível para os amantes do livro de G.Flaubert, foi terem mudado totalmente a cena da cirurgia em Hipolite. Charles opera a perna do rapaz, mas o procedimento cirúrgico falha e Hipolite, após passar dias e dias acamado, vê sua perna gangrenando até perdê-la. O pobre infeliz, agora coxo, se transfoma no pior pesadelo de Charles, que evita vê-lo, cada vez que ouve o barulho de sua perna de pau pelas ruas de Yonville. No filme, é absurda a idéia do roteirista de fazer Charles desistir da cirurgia antes de começar e mandar Hipolite para casa.
A minha idéia com este artigo não é menosprezar o filme, e sim dizer a todos para procurar sempre ler os livros quando decidirem ver uma adaptação para cinema. Isso não diminue a importância do filme MADAME BOVARY  e nem sua beleza, mas aí vai um alerta:
LEIAM SEMPRE!!!

Aí vai uma imagem de Jennifer Jones lendo o romance "Since You Went Away", livro que foi adaptado para as telas em 1944, tendo Jones no elenco. Parece que ela também leu "Madame Bovary", pois a cena no leito de morte é crível: envenenada, ela se contorse e grita na cama, como está no livro.





8 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Excelente post, Daniele. É exatamente o que penso sobre esse filme sofisticado (o livro, nem falo, um dos melhores de todos os tempos). Quer dizer que Minnelli ousou cogitar Lana e Greer? Nem pensar. Madame Bovary é a cara de Jennifer. Por sinal - e por pura coincidência - acabo de postar sobre ela.
Beijos,

O Falcão Maltês

Unknown disse...

Obrigada, Antonio! Sabe que um elogio seu é um prêmio, não é!
Mas enfim, ele considerou Lana e Garson sim. Não consigo imaginar este papel nas mãos de outra atriz, sinceramente. Que maestria!
Estou curiosa para ler o seu artigo.
Um abraço
Dani

Rubi disse...

Tanto o livro quanto o filme são ótimos, porém, particularmente, gosto mais do livro. Mas convenhamos, Madame Bovary é um clássico de qualquer jeito! Produção maravilhosa que não envelhece nunca.

Alan Raspante disse...

Ótimo post! Ainda não vi o filme e nem li o livro. Mas fiquei super curioso em conferir o longa-metragem!

Abs,
cinegrafia.blogspot.com

Unknown disse...

Alan, este filme ainda não foi lançado aqui, mas eu baixei no ótimo blog de downloads de cinema clássico(de confiança), que inclusive está na minha lista de blogs. Eis aqui o link para ter o seu:
http://cinnemaclassico.blogspot.com/search/label/Jennifer%20Jones

Um abraço e divirta-se!

Faroeste disse...

Não assisti a esta pelicula de J Jones, aliás, da estupenda Jenifer Jones, Madame Bovary. Vou estar atento à oportunida que surgir para ve-lo. No entanto eu a vi deslumbrante em Duelo ao Sol, perfeita em Adeus às Armas e candida em A Canção de Bernadeth. Mas ainda a vi, ao lado de Holden, amada e sofrida em Suplicio de Uma Saudade.
Uma atriz fantástica, sempre muito presente em qualquer personagem que vestiu.
jurandir_lima@bol.com.br

Unknown disse...

Faroeste,
este filme ainda não foi lançado no Brasil. Eu o vi baixando por este blog, muito seguro:
http://cinnemaclassico.blogspot.com/search/label/Jennifer%20Jones

Este endereço já é o link do filme. Baixe!
Um abraço
Dani

Miguel Gubert disse...

Essa adaptação americana dirigida por Vincente Minelli é um dos mais belos filmes que já assisti. Acredito que pelo fato de David Selznick, que era extremamente detalhista, estar apaixonado por Jennifer Jones fez com que o filme fosse realizado de forma primorosa. Jennifer, como sempre está perfeita e deslumbrante no papel que parece ter sido feito para ela. Não assisti a primeira versão francesa, mas não gostei da segunda com Isabelle Hupert que embora sendo uma das grandes intérpretes do cinema francês, deixou a desejar neste filme apresentando uma personagem apagada, enquanto que Jennifer dá ao papel uma luz impressionante. Na cena do baile todos gravitam em torno da adorável Emma, que parece um bibelô saído dos contos românticos que ela lia. Imperdível!!!