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domingo, 20 de novembro de 2011

Uma orquestra na voz de Judy Garland...Stormy Weather nos bastidores.

A CRIANÇA ENCANTADORA SE RECUSAVA A CHORAR

Judy: Body and soul. Música e lágrimas. Corpo e alma misturando-se em canto e cinema. Um sorriso de menina, bonitinha e gordinha, cantando SINGIN' IN THE RAIN. Retratos de uma adolescente espalhando-se pouco a pouco. Desde o singelo LA FIESTA DE SANTA BARBARA, passando pelo dueto com a lírica Deanna Durbin em EVERY SUNDAY(1937), esta voz que vem sabe-se lá de onde, explode nos ouvidos de premières do mundo inteiro e de repente..."Zing! Went The Strings of My My Heart" e ela se torna parceira de Mickey Rooney, iniciando uma série famosa de musicais, que incluem: BABES IN ARMS(1939), BABES ON BROADWAY(1941) e muitos outros filmes, como a série Andy Hardy. Deanna Durbin não durou muito na MGM. Assinaria logo, logo um contrato que lhe renderia por vários anos uma bela carreira em musicais e alguns dramas pela Universal Studio.


Judy, 16 anos, aproximadamente, tem apetite como a maioria das jovens de sua idade. Ela quer hamburgueres e milk shakes, mas não pode comer, senão engordará ainda mais. Além de tudo, Judy tem que ser uma "boa menina" e tomar suas anfetaminas todos os dias. Ajuda a manter o peso, sabe? Ah, claro! Como uma boa garota precisa dormir cedo, Judy não pode deixar de tomar seus calmantes todas as noites, pois religiosamente às 5 da manhã, como a maioria das estrelas da Metro, tem que estar de pé para filmar. Agora imaginem esta vida para seus filhos. Imaginaram? Judy Garland começou esta louca rotina aos 14 anos, logo assim que L.B Mayer, executivo chefe da MGM a contratou e concluíu que seu peso era um problema para conseguir papéis num futuro próximo. O fato é que a nova contratada era uma menina perfeitamente saudável e em fase de crescimento.
Na infância, em Grand Rapids, Minnesotta, ainda Francis Ethel Gumm
Mickey e Judy: Os figurinos são da sequência final de STRIKE UP THE BAND(1940)


Em tempos em que o bullying é discutido cada vez mais, levantemos mais uma vez a questão: se Judy Garland fizesse sucesso hoje, será que sua mãe Ethel teria permitido que tudo isto tivesse acontecido? Até creio que sim. Pode ser que uma denúncia partisse de um não-parente, de dentro do estúdio, já que o tempo não pode mudar certas coisas, infelizmente. E uma delas é o fato de ainda existirem mães ruins em Hollywood. Ethel era uma stage mother em potencial. Primeiro deixe-me explicar o que é uma stage mother. Do Inglês, a tradução livre fica em "mães de palco". Normalmente são mulheres que gostariam muito de ter sido artistas e não foram. Frustradas por terem falhado e sucumbido em seu próprio sonho, elas colocam todas as suas antigas expectativas nos filhos, dizendo a frase clássica: "querida, um dia você será uma estrela. E o mundo inteiro irá amá-la. E você nunca ficará sozinha". O resto é história. Fazem com que crianças de 5 anos acordem às 5 e estejam no estúdio, às 7, 7h30, prontas, devidamente penteadas e vestidas. Por tudo o que há de mais sagrado, qual a criança desta idade que fala para um adulto: "Meu desejo amanhã é estar filmando às 7h30 da manhã"? Sem comentários.
O único diferencial em Judy é que ela adorava o palco. Viveu a experiência ainda bebê, quando seu pai, Frank, dono de um cinema em Grand Rapids, Minnesotta, a colocou para cantar, enquanto sua mãe tocava o piano. Essa era a profissão dos Gumm: os filmes rodavam sob a supervisão de Frank, pai adorado de Judy, e quando chegava a hora dos intervalos, Ethel sentava ao piano e tocava com suas três filhas cantando ao lado. Das três, Judy se destacou quando Ethel as levou para audições na MGM. Só ela ficou. As outras duas voltaram para casa. Frank morreu quando Judy ainda estava caminhando no estúdio, ainda mocinha. Ele sofria dores terríveis no ouvido. Um dia foi internado, já com a dor em estado crônico. Não viu o sucesso da filha, pela qual torcia e amava tanto. Um amor mútuo.
Voltando ao bullying, no passado foi Ethel. Hoje, por exemplo, é Dina Lohan, saindo para beber com a filha Lindsay em night clubs, sabendo que a atriz não pode tocar em uma única gota de álcool. Estou levantando esta questão do bullying, pois é disto que este artigo trata. Durante toda sua história Judy foi humilhada, nos vários estágios de sua vida: primeiro por L.B Mayer, que a chamava de "minha corcundinha" , além das informações citadas acima. Isso tudo na cabeça de uma garota em formação emocional e física tem um peso muito grande  e deixou marcas. Judy nunca mais perdoou Mayer. O casamento com David Rose, arranjado por ele e Ethel(sim, a mãe) por circunstâncias que para os dois eram "vergonhosas" despedaçou o coração da jovem, apaixonada na época pelo grande músico Artie Shaw. Um aborto forçado pelo casal Ethel/Mayer deixou a artista traumatizada pelo resto da vida. Para ela, um aborto não era algo humano e ela era muito inexperiente para conviver com tal aberração. Toda estas estórias, principalmente as que envolvem o uso de anfetaminas e calmantes(remédios de tarja preta) ministrados a uma criança de apenas 14 anos. Talvez se isso se repetisse nos dias de hoje, acabaria nos tribunais.

O DOCE PÁSSARO DA JUVENTUDE X A NECESSIDADE DE SER AMADA

Os dias de doçura nos anos 30. Momentos em que vimos em seu rosto a estampa viva da felicidade. Sua dedicação ao Cinema começara. A amizade com Mickey Rooney era real. Suas imagens juntos eram coloridas, mesmo aquelas que se encontram em preto e branco. Com a década seguinte, toques de realidade sombrios começavam a emoldurar seus dias, embora o público não notasse, através dos filmes e de músicas como estas:
"Our Love Affair
  Was Meant to be
  It's me for you, dear
  And you for me
  We"ll fuss and quarrel
   And tears starts to brew
  But after the tears, our love will smile through"
("Our Love Affair", do filme Strike Up The Band, 1940)

À medida em que a demanda por Judy foi aumentando, o inevitável aconteceu: estressada, por volta de 1945, a atriz já se tornara dependente química dos remédios prescritos por gente do estúdio quando ainda tinha 14 anos. Os medicamentos a tornavam irritadiça e deprimida, a ponto de proferir insultos aos colegas, além das piadas de mau gosto. Coisas as quais falava descontrolada, quando chegava ao estúdio, já contra a sua vontade. A menina dos anos 30 se fora. Com o tempo, o álcool foi adicionado às pílulas e sua vida se tornou um inferno. Por vezes se trancava no camarim com medo de ver as pessoas e filmar, pois achava-se incapaz. Uma ocasião, durante as filmagens de MEET ME IN SAINT LOUIS(1944), sua companheira de cena, a atriz Mary Astor, entrou para falar com Judy e tentar convencê-la a sair, pois havia uma equipe enorme esperando por ela. Então ela disse: "Mas não posso. Não sei cantar. Além do mais, não sou uma atriz de verdade". Mary achou aquilo tudo ridículo, afinal, era Judy Garland, um talento em potencial. As duas tiveram uma conversa séria e depois de algum tempo, Garland saiu alegre, começando seu dia de trabalho.
Apesar de se tornarem cada vez mais difíceis os dias de trabalho com Judy e a equipe de filmagem, muitos colegas eram generosos, pois sua fragilidade era visível. Apesar de ainda ser incrivelmente jovem para passar por todo aquele sofrimento, que incluía insegurança inesgotável com a aparência, aquilo era real. Tudo fruto dos absurdos que ouviu de Mayer e a cobrança cruel dos remédios pesados que tomava há anos. Figura carismática e engraçada, adorava piadas e fazia amigos com facilidade. A alma alegre e moleca de Judy ainda estava ali. Entre um take e outro, arrancava gargalhadas de colegas e funcionários. 
Tempos que foram mudando rápido

Mais velha...emagrecendo.

Mais próximo do que o estúdio procurava.
Mas quem precisa de tanta beleza quando existe tanto talento? O artista se torna belo quando transpira arte. Quando cantava, Judy se tornava a mulher mais bela do mundo. Suave e doce ao lado de seus parceiros no cinema, de repente se tornava a melhor mocicha dos musicais. Seu rosto jovem e cheio de vida enchia as telas, e quando as câmeras davam o close nos momentos em que cantava as mais lindas canções de amor, era apaixonante. Quando dançava junto de Astaire ou Gene Kelly, era a melhor bailarina, pois dançava com vontade. A paixão pela arte e a mesma tão bem executada a tornou singular, pois quem faz arte da forma que ela fez, apoteótica, traz uma luz no semblante difícil de explicar...e a beleza vem daí.
Judy Garland passou por dificuldades em todas as fases de sua carreira. Em sua maior parte, uma crise de identidade que a acompanhou até o fim de sua curta existência. Na fase cinematográfica, que durou até 1952, ano em que foi demitida pelo mesmo estúdio que a drogou, tinha que ser lembrada constantemente pelos colegas de seu talento. De que era alguém especial e única. Na fase dos concertos, depois da demissão até, mais precisamente 1961(data do lendário e histórico show no Carnegie Hall) sentiu, finalmente que todos estavam certos. O estúdio a massacrou tanto, presa nos corredores, camarins, que havia perdido o elo mais precioso: seu contato direto com o público através dos palcos. Que MGM, que nada! "Viva Judy" gritava o povo, não o estúdio e ela viu que sua voz não tinha limites, assim como nenhum artista tem. Caiu na estrada. London Palladium e o Pallace são algumas das casas de shows que lotaram para vê-la. Por que todos a amavam. Ninguém queria saber se estava gorda ou magra. O fervor e carinho incondicional fez ressurgir a estrela que o estúdio não quis mais. Ela agora voltava a ser Frances Gumm, de Grand Rapids, que encantava a um público diretamente, sem passar pelo crivo de um endocrinologista barato. Nesta fase, diria que a música que mais reflete seu estado de espírito é o tema do filme I COULD GO ON SINGING:
 "I could go on singing, til the moon turns pink
Anything from Faust to Ink-a-dink-a-dink
           Love does funny things, when it hits you this way! 
                                                  I must keep on singing, like a lark, going strong,
                                                 With my heart on the wings of a song, singing day!"

A TV também a acolheu, e em 1963 a audiência de seus concertos se reuniu nos sofás da sala para assistir ao THE JUDY GARLAND SHOW, pela CBS. Infelizmente o programa só durou até 1964, outro golpe na vida de Judy, que amava fazer o show. Depois do cancelamento do programa, sua vida nunca mais foi a mesma e o público acompanhou seus últimos anos como não sendo dos mais felizes. THE JUDY GARLAND SHOW era espetacular: reunia esquetes com atores de tv e antigos companheiros da Metro, como Mickey Rooney, que fez parte do 1º episódio e Ray Bolger - sensacional bailarino marcado para sempre na História do Cinema como o Espantalho em THE WIZARD OF OZ. Cada episódio tinha seu convidado. O de Rooney, por exemplo, reunia números musicais, histórias antigas da época em que trabalhavam juntos, apresentação de números de comédias. Tudo voltado para o talento de Judy e seu convidado, pois o cenário era sempre simples e apesar de mudar o fundo em algumas ocasiões, jamais cenário tentava aparecer mais do que os artistas. Na abertura, tínhamos um medley com os maiores sucessos da carreira de Garland executado por uma brilhante orquestra regida pelo maestro Mort Lindsey. Eis que surgia a incrível dona de todos os movimentos , com aquela voz, a própria orquestra em sua graganta e abria o show da noite, semanalmente, cantando uma música alegre como esta:
"Keep your funny side up, up
Let your laughter come through, do!
Stand up on your legs
Be like two fried eggs
Keep your sunny side up!"

O vídeo da apresentação da música do show, abaixo:

Em 1969, Judy se foi. 47 anos, sem dinheiro, morando num apartamento barato, após ter saído pela janela de vários hotéis com os filhos por não ter como pagar a conta. Morreu sem a presença dos filhos. Mesmo depois de tantos anos de sua passagem, gerações de admiradores ainda surgem. A resposta é simples: eles descobrem a magia desta artista que enfeitiça. Talento puro em meio a tanta confusão. Uma vida passada entre crises e risos. Entre o humor marcante a carga explosiva. A arte forte e uma mulher frágil e sozinha...tão sozinha. Lembra outra canção: "I'm alone/I'm so all alone/And there's no one else but you/ All alone by the telephone/Wailting for a ring...I'm all alone every evening/All alone feeling blue/ Wondering where you are and how you are/And if you are all alone too". Judy sofreu muito e colheu os frutos do star system que a criou, sendo destruída por ele. Frutos que ela não plantou. Mas também riu demais e nos fez muito feliz. A cada vídeo dela cantando, um novo rosto se enche de felicidade e de uma nova descoberta. O fio do microfone jogado para o ombro, a mão que se descabelava de repente, os braços que se cruzavam no peito, para depois reaparecer uma nova figura : um braço esquerdo ou direito estendido, ora em meia-concha, ora totalmente erguido. 1,51cm de mulher que no palco se transformava em 2 metros de plena magia e encanto.
THE JUDY GARLAND SHOW: 1963-1964(CBS)

8 comentários:

As Tertulías disse...

Que delícia de postagem... e este teu carinho inconfundível... Que Pessoa especial!!!

Ontem mesmo eu toquei (rápidamente) no nome de Judy nas Tertúlias... Tem, aliás, um QUIZZ lá te esperando, tá?
Beijos
Ricardo

ANTONIO NAHUD disse...

Excelente post, Dani. Realmente a vida de Judy não foi fácil.

O Falcão Maltês

Unknown disse...

Antonio, a vida dela foi triste demais. Eu costumava dizer, quando conheci o trabalho dela, há mais ou menos uns 6 anos, que se eu pudesse salvá-la, de alguma forma, ajudá-la, eu o faria. Jamais deixaria que machucassem uma pessoa dessas.
Ricardo, obrigada, que bom que você sinta assim. Eu procuro escrever de modo mais passional mesmo, de acordo como eu sinto, seja com filmes ou com artistas, procuro colocar sempre a figura humana no texto. E é sempre sincero. Vou visitar o quizz assim que voltar para casa. Estou de saída e termina tarde o compromisso. Amanhã sem falta passo no Tertúlias. Observou que tertuliei um pouco, mesclando algumas músicas? Vocês me inspiram!
Um abraço
Dani

Carla Marinho disse...

Post indicado para os melhores da semana. http://blogsdecinemaclassico.blogspot.com/2011/11/links-da-semana-21-27-de-novembro.html

Carla Marinho disse...

Nossa senhora, Dani. Que post completo. Nossa Ju passou por poucas e boas não foi? Mas o que eu mais me lembro nela é a capacidade de se levantar sempre e seguir adiante. Viva Jooots

disse...

Que passagem super completa pela vida de Judy! Sua história é das mais impressionantes de Hollywood. Você já viu a minissérie sobre ela, estrelada por Judy Davis? Reportei-me a várias cenas da minissérie enquanto lia seu texto.
Beijos!

Unknown disse...

Carla, obrigada pela indicação!
Ela passou por muitas coisas mesmo e foi muito guerreira, apesar do sofrimento. Mas os remédios aos 14 anos é o que mais me choca em sua história. Monstruoso.
Lê, valeu! Sim, eu vi pelo GNT. Me and My Shadows, baseado nas memórias da Lorna. Não foi aprovado pela Liza, inclusive. Se bem que, apesar de gostar muito da Liza, quando se fala em Judy, tenho minhas reservas em relação a ela.
Um abraço
Dani

Ronaldo disse...

Nessa foto da Judy com o Roney da para ver como ela era bonitnha e saudável.
So que começaram a encucar tanto estereótipo de beleza na moça que deu no que deu.
Mas acho que ela pode se vangloriar de ter feito uma obra mais imortal com o Mágico de Oz do que todas as suas rivais juntas.