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domingo, 5 de fevereiro de 2012

As mãezonas de Joan Bennett

O final dos anos 40 foi um divisor de águas na carreira de Joan Bennett. Nascida em New Jersey, em 1910, a atriz ficou famosa interpretando mulheres fatais ou envoltas em tramas de mistério. Seus papéis variavam de vítimas em estórias de suspense, como em SECRET BEYOND THE DOOR(1947) à perigosas beldades, que atraíam homens apaixonados para o fundo do poço, como em THE WOMAN IN THE WINDOW(1944). Joan tentou escapar de sua tradicional família de atores, incluindo seus país e uma de suas irmãs mais velhas: a loura Constance Bennett. A História teatral desta família começou no século XVIII e Joan debutou nos palcos aos quatro anos de idade, passando por filmes onde seu pai Richard era o astro principal. A partir do final dos anos 20, a jovem de rosto delicado encorajou-se e engrenou no cinema, já que, divorciada do marido alcóolatra, tinha a filha Adrienne para sustentar sozinha. Ambas irmãs tinham carreiras sólidas durante os anos 30, bem como as estrelas Joan Fontaine e Olivia de Havilland.
Depois de passar a década seguinte intacta e querida por crítica e público, em 1949 veio uma obra-prima de Max Ophüls - THE RECKLESS MOMENT, onde temos Joan como Lucia Harper. A personagem era mãe e dona de casa dedicada. Eu diria super dedicada, inclusive, pois raramente saía de casa, levando a educação dos filhos sob extremo cuidado. Enquanto o marido viajava à trabalho, Lucia praticamente criava os filhos sozinha. Curioso é que David, o marido, nunca aparece no filme, o que faz com que a personagem de Joan se fixe como a mulher forte, determinada e chefe de família, o que era de impossível aceitação para a sociedade da época. Gostoso ver como Lucia se importa com a família e vive por ela. Nos identificamos de imediato com a personagem, pela figura de mãe zelosa, e muitos espectadores podem lembrar de suas próprias mães. Já que o filme mostra a mulher no comando de tudo, até no destino de sua filha com a polícia, podemos dizer que ele se tornou atemporal. E a geração atual pode se ver refletida em Lucia, como em um espelho, devido às conquistas da mulher na sociedade e pelo fato de muitas terem que cuidar de seus filhos sozinhas, sem a intervenção do homem(vide a história da própria atriz). É claro, que Lucia Harper não sustenta a casa sozinha. Ela tem casa, roupas e tudo mais pagos pelo marido. Porém, vendo como a personagem se comporta durante toda a estória, é fácil imaginar que ela poderia arrumar um emprego e levar tudo em frente de vez, caso ocorresse o divórcio. Mrs. Harper não é só " a rainha do lar": ela é tudo o que aquelas crianças têm na ausência constante do pai e se mostra totalmente independente, além de suas ações como mulher darem a idéia daquela que está preparada para enfrentar qualquer problema.  Ela fuma como louca, senta na escrivaninha, faz as contas do mês e corta os gastos. Junto com James Mason, o chantagista que não gosta de maltratar Lucia, Joan Bennett nos rende com uma bela e forte atuação. E o par tem uma química perfeita, com o vilão se transformando em mocinho durante a trama. Soberbo!
Joan Bennett como Lucia Harper em "The Reckless Moment", 1949.

Passar de femme fatale a dona de casa recatada e dedicada era um grande triunfo em Hollywood, naquela época. Isso significava fugir de um rótulo criado pelo sistema, capaz de levar qualquer artista à loucura. Alguns podem se perguntar: será que Joan Bennett saiu de um rótulo para entrar em outro? A resposta pode ser tanto positiva quanto negativa, já que existe a possibilidade de pensar que ela se diversificou e visitou os dois eixos - a mulher destruidora de lares versus a mãe que faz muito para manter sua família unida. Acontece que, manter a família parecia não ser a preocupação de Marion Groves. Em 1956 era lançado THERE'S ALWAYS TOMORROW, do grande diretor Douglas Sirk, conhecido como "o rei dos melodramas". Marion(Bennett) era uma ingênua dona de casa, que cuidava tanto dos filhos a ponto de não perceber que seu casamento estava à beira do fim. Isso por que Clifford Groves(Fred McMurray) se sentia deixado de lado pela esposa, sempre que a convidava para sair e ela negava, pois na hora da persuasão surgia sempre problemas com uma das crianças. Lá ia Mrs. Groves, sempre presente, negando os pedidos nervosos do marido. Clifford estava farto do casamento que tinha e ansiava por aventuras, como viagens, óperas, jantares e...nada! Um dia ele encontra uma velha conhecida, Norma(Barbara Stanwyck) e nele revivem lembranças do passado, fazendo brotar em Clifford a vontade arrebatadora de viver um romance com ela. Apesar de não se concretizar o caso entre os dois, um dos filhos do casal Groves descobre o pai e Norma juntos num resort. O mais impressionante na estória é o fato de a esposa não perceber nenhuma mudança no marido, cada vez mais distante e irritado. A percepção de Marion em relação a seu casamento é nula. Ela parece não sentir a falta dele ou até achar que ele jamais vai embora. A dona de casa norte-americana não tinha os cabelos compridos, livres e soltos. Este penteado ficava destinado às femme fatales, sedutoras e sensuais, com belíssimos vestidos para noite. E assim, é claro que o visual de Joan foi mudado: o cabelo cortado na nuca e o vestuário elegante, que incluíam ternos não muito justos, lenços de tecido fino amarrados no pescoço, além de chapéus, óculos de sol e outros elementos de figurino, que remetiam às mães de classe média alta interpretadas pela atriz. Anos antes, em FATHER OF THE BRIDE, Bennett era Ellie Banks, a doce mamãe de Kay(Elizabeth Taylor), lutando à sua maneira para amansar o durão Stanley(Spencer Tracy) e fazê-lo entender que sua filha havia crescido e que queria se casar. O casal enfrenta problemas financeiros quando descobrem que as contas da cerimônia de casamento estavam muito acima de seu padrão de vida.
Em 1990, em Nova York, Joan Bennett infartou e não resistiu. Tinha 80 anos e antes de se retirar de vez do showbuzzness, atuou em séries e programas de tv, sempre esporadicamente. Mesmo sendo hoje uma atriz pouco lembrada pela mídia, os cinéfilos ainda procuram por ela, seus ótimos  filmes e beleza  delicada, escondendo interpretações fortes e interessantes.

Bennett em "There's Always Tomorrow", de Douglas Sirk. 1956.            


Transformação de Bennett: de femme fatale à mãezonas no cinema

Femme fatale


Dona de casa:


11 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Sou fascinado pela JOAN BENNETT. Tenho 17 filmes dela na minha coleção. Conheço o seu trabalho como mocinha nos anos 30, como mulher fatal nos 40 e boa dona de casa nos 50. Gosto mais da perversa, sensual, dissimulada, de filmes de Fritz Lang e Jean Renoir.
Parabéns pelo post, Dani. Uma delícia. Essa atriz digna e discreta merece ser reconhecida cada vez mais.

O Falcão Maltês

As Tertulías disse...

Adoro Joan Bennett... e amei mais saber pormenores de sua vida aqui nessa magnífica postagem! Bravo amiga! Voce é um apesquisadora e tanto... e com esta sensibilidade imensa nos coloca todo esse conhecimento "no prato". Eu me sinto honrado de descobrir tantsa coisas "via" voce... Obrigado!!!!!

Unknown disse...

Valeu, Annonio!
17 filmes? UAU! E nos anos 30 ela usava o cabelo loiro, como sua irmã, não é?
Eu também, cada filme que vejo fico mais fascinada. Ótima atriz! Estou vendo Scarlett Street, de Lang. Tenho paixão por The Woman in the Window.
Um abraço!
Dani

Unknown disse...

Olá, querido Ricardo!
Eu é que me sinto acarinhada com elogios como este seu, do Antonio e de outros que estão sempre por aqui. Vocês são a essência deste blog, sem sombra de dúvidas.
Um abraço
dani

disse...

É realmente uma conquista quando uma atriz se livra de um estereótipo e consegue novos papéis.
O curioso é que ontem assisti a "Madame X" e Constance Bennett, irmã de Joan, faz exatamente uma mãezona, embora não seja uma boa sogra para a pobre Lana Turner.
Beijos!

Jefferson C. Vendrame disse...

Olá Dani, como vai? Ótimo Post, realmente muito interessante seu texto resgatando um pouco dessa grande estrela. Me lembro de recentemente ter relido o livro da ex correspondente brasileira em Hollywood nos anos 50 Dulce Damasceno de Brito onde ela dedica todo um capitulo a passagens amargas que a atriz vinha passando naquela época (sobre seu caso adultero que veio a tona nos anos 50)recomendo o livro que é facilmente encontrado em sebos: HOLLYWOOD NUA E CRUA, embora creio que vc já deve possui-lo.

Abração

Dilberto L. Rosa disse...

Taí uma atriz que me é caramente lembrada... Gostei da análise da sua virada "moral",muito bom, mesmo: parabéns! Meu abraço e apareça!

Suzane Weck disse...

Que maravilha de blog.Estarei seguindo sempre.Bjs.

Maxwell Soares disse...

Mais uma excelente e brilhante postagem. Conhecer mais a respeito de Joan Bennett, aqui, está sendo maravilhoso. Até...

Unknown disse...

Olá!
Lê, nunca vi um filme com a Constance. Vou conferir. Adoro a Lana Turner.
Jefferson, obrigada, que bom que gostou! Não tenho o livro da saudosa Dulce, mas na época que foi lançado eu o vi em livrarias como Fnac e Saraiva. Será que deixaram de distribuir e agora ele é só artigo de luxo nos sebos? Eu estou lendo a autobiografia de Joan Fontaine - "No Bed of Roses". Comprei no Mercado Livre por 8 reais! Um achado, sem dúvidas.
Dilberto, muito obrigada! Vou aparecer, sim, sem dúvidas.
Suzane, seja bem-vinda sempre! Valeu!
Maxwell, te agradeço pelos elogios! Fico feliz que esteja gostando.
Um abraço
Dani

Fanzine Episódio Cultural disse...

POEMA ( CHE GUEVARA ) EM MP3

Ola querida, tudo bem?
Há um ano atrás eu divulguei um poema meu intitulado CHE GUEVARA. Mais tarde recebi uma mensagem de um poeta português que pediu-me autorização para recitá-la junto a uma música andina.
O resultado em (mp3) foi lançado no youtube. Eis o link abaixo. Quando puder dê uma olhada, ok?

http://www.youtube.com/watch?v=XF-MqN57-5M